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20/11/22 às 14h28 - Atualizado em 20/11/22 às 14h31

FBCB encerra Mostra Competitiva

Texto: Bárbara Bergamaschi, Jamile Rodrigues, Lúcio Flávio e Sâmea Andrade. Fotos: Hugo Lira e Marina Gadelha. Edição: Déborah Gouthier/Ascom Secec

 

A última noite de Mostra Competitiva do FBCB 2022. Foto: Hugo Lira

 

Foram seis dias de sala lotada no Cine Brasília. Ao todo, 18 obras apresentadas, entre longas e curtas-metragens, com sessões também no Complexo Cultural de Samambaia e Complexo Cultural de Planaltina. No sábado, 19 de novembro, os últimos filmes da Mostra Competitiva Nacional do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB) de 2022 foram exibidos, e ainda neste domingo (20), o público conhecerá os grandes vencedores da 55ª edição do evento, realizado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec) com a organização da sociedade civil Amigos do Futuro.

 

E, como era de se esperar, a última noite da Competitiva Nacional trouxe a cereja do bolo. Tendo como linha condutora a epopeia em busca de indígenas perdidos no coração da Floresta Amazônica, o documentário A Invenção do Outro, de Bruno Jorge, arrebatou o público que seguiu hipnotizado com o trabalho de antropologia visual, como definiu o diretor. O filme é uma obra impactante sobre um Brasil profundo e invisível aos olhos das grandes massas, mas com cenas e narrativas que resvalam no inconsciente popular por conta da figura do indigenista Bruno Pereira, brutalmente assassinado junto com o jornalista britânico Dom Phillips em junho deste ano. Bruno, inclusive, protagoniza a trama, junto com Xuxu, da etnia Korubos, distanciado da família e em conflito com povos adversários da região.

 

Nas telas, o registro de uma expedição da Funai, conhecida como a maior das últimas décadas, realizada em 2019 na fronteira da Amazônia peruana para tentar o primeiro contato com um grupo de indígenas isolados da etnia dos Korubos. “A gente ficou muito tempo em um ambiente fechado, no estúdio, e exibir o filme nessa sala incrível, compartilhando esse momento com a experiência de tantas vidas, é incrível”, disse Bruno Palazzo, que assina a trilha sonora do filme. “O desafio foi de como desenhar a música do filme com o som e a imagem que ele conseguiu captar”, explicou.

 

Também enveredando pela temática indígena, a gaúcha Paola Mallmann abriu a sessão da noite com o curta Um Tempo Para Mim, que narra a trajetória de Florência, uma menina mbyá guarani que vive um rito de passagem: a primeira menstruação. “É um trabalho fruto de muitos sonhos e que também é o papel da arte de transver outras realidades”, disse a diretora. “O filme trata de um tema muito feminino e íntimo que pertence a todo um ciclo da vida”, observou.

 

Lugar de Ladson, do paulistano Rogério Borges, percorre a trajetória do personagem-título, um jovem cego que busca seu lugar na sociedade, ao mesmo tempo em que tenta, com a ajuda do celular, marcar seu primeiro encontro amoroso. “Esse filme traz uma pesquisa visual interessante, algumas dessas informações trazidas pelos próprios personagens”, notou o diretor de fotografia, Yuji Kodato.

 

 

ALÉM DA COMPETIÇÃO

Outro ponto alto deste sábado (19), penúltimo dia de FBCB, foi a realização da mostra Festival dos Festivais. Idealizada para prestigiar filmes que fizeram uma carreira exitosa nos festivais Brasil afora, a mostra trouxe três trabalhos surpreendentes. O primeiro deles foi o drama familiar A Filha do Palhaço, oitavo longa-metragem do cearense Pedro Diógenes, que fala sobre a relação de aproximação entre pai e filha. Premiado nos festivais do Rio e de Tiradentes, o filme debruça sobre questões pertinentes como a luta pela afirmação de gêneros e a reconstrução de afetos destruídos.

 

Já a comédia Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre, narra a trajetória de três personagens à margem do sistema, lutando pelo pão nosso de cada dia, como o périplo de conseguir pagar o aluguel de uma quitinete em uma São Paulo surrealista aplacada pela pandemia. Destaque para a cena neotropicalista com a participação do veterano ator paraibano Everaldo Pontes.

 

Grande sensação da mostra e uma das pérolas desta edição do FBCB, o drama Fogaréu, de Adriana Neves, traz à tona uma realidade de pesadelo e terror ambientada no interior de Goiás. Flertando com o fantástico, o filme reflete sobre a herança do período colonial na região e a avassaladora interferência do agronegócio nos dias atuais. Protagonista do filme, a atriz mineira Barbara Colen, que também encantou o público do Festival de Brasília como uma das apresentadoras do evento, falou sobre a intrincada relação de casa-grande e senzala que perpassa a trama, a partir da ótica de personagens afetados por algum tipo de deficiência neurológica. “É uma outra maneira de ver o mundo, ou seja, falar desses corpos invisíveis”, resumiu.

 

No sábado e no domingo, as crianças também foram contempladas pelo Festival e receberam uma programação pensada especialmente para elas no Festivalzinho, já muito aguardado pelos fãs do FBCB. A curadoria dos filmes foi uma parceria com o Festival de Cinema Infantil de Florianópolis, que selecionou 14 obras ao todo, entre ficções e animações. Para abrir a programação, palhaçaria para conquistar a atenção da criançada.

 

Fernanda Reis, cientista política, levou os filhos Malu, de 6 anos, e Gael, de 2, pela primeira vez. “É muito bom, primeiro para eles conhecerem o Cine Brasília, que é uma coisa espetacular. Ela entrou aqui já falando: uau, que lugar lindo – pelo tamanho da sala, da tela. E os filmes são muito bem selecionados, filmes leves, gostosos. É legal também para eles entenderem a importância do cinema e da criatividade”, relatou.

 

 

ENCONTROS E DEBATES

Filmes que falam sobre afetos e da “solidão das pessoas dessas capitais”, como já dizia o bardo cearense Belchior. Norteados por essa premissa, os realizadores e equipe dos dois curtas-metragens e do longa da Mostra Competitiva exibidos na noite de sexta-feira (18) interagiram com os participantes em debate ocorrido na manhã do sábado (19), no Hotel Grand Mercure.

 

Diretor do divertido e provocativo Capuchinhos, Victor Laet mais uma vez arrancou gargalhadas dos presentes com seu humor ingênuo, mas ferino, ao explicar o processo de criação do seu filme, que flerta com o experimentalismo e o absurdo. “Fazer o filme foi um processo catártico e metamórfico, depois de um marasmo emocional e espiritual com tanta coisa ruim que estava acontecendo no Brasil”, confidenciou. “O filme é uma provocação mesmo, de que dá para construir histórias, desconstruindo tudo”, disse, explicando o curta.

 

Exaltando o coletivo Mangaba, grupo de realizadoras do audiovisual da Paraíba formado por mulheres com projetos focados no universo feminino, a diretora Mayara Valentim, de Nem o mar tem tanta água, falou do desafio de registrar a delicadeza do real, sem cair no tosco. Ela ainda destrinchou com poesia uma das cenas mais belas exibidas nesta edição do FBCB, em que a atriz Laís de Oyá se banha com um regador, num jardim de Éden em quintal suburbano da cidade paraibana de Cabedelo. “Me tocou muito ver a cena, fiquei emocionada porque é o meu corpo, emprestado ou não, que está ali, se confundindo com as plantas”, disse a atriz, que tem aqui sua primeira atuação como protagonista. “O filme é isso, nasce dessa complexidade e beleza da realidade de uma cidade portuária”, resumiu a diretora.

 

As lembranças das trocas de cartas de uma amiga com seu pai distante, cenas do filme O Atalante, de Jean Vigo, o universo musical de Gal Costa e Caetano Veloso, e a recusa em se adaptar às novas tecnologias foram as impressões que nortearam a diretora Clarissa Campolina a dirigir o drama Canção ao Longe, como explicou ela no debate. “E, inserido nesse contexto, personagens que mostram seus dois lados, o bom e o mal, evidenciados nas tensões entre eles”, destacou.

 

Sessões de cinema são seguidas de debates. Foto: Hugo Lira

Já nos debates ocorridos neste domingo (20), que trouxeram a discussão dos filmes exibidos na última noite da Competitiva do 55º FBCB, a equipe de Rio Claro, interior de São Paulo, destacou os processos experimentais e de pesquisa visual desenvolvidos a partir da experiência de vida do personagem-título do filme Lugar de Ladson, de Rogério Borges. “O aspecto sensorial neste filme é muito interessante porque a gente acessa o mundo por pequenos detalhes vistos pelo personagem”, observa o diretor de fotografia do filme, Yuji Kodato.

 

Diretora do curta gaúcho Um Tempo Para Mim, Paola Mallmann relatou como a oralidade dos povos Guarani e os sonhos que fazem parte da cosmologia dessa etnia ajudaram na construção narrativa do filme. “A questão da transição do saber pelos mais velhos, da tradição, é evidente nesse projeto, dentro de uma dimensão das relações sociais”, destacou.

 

Mas foi A Invenção dos Outros, de Bruno Jorge, o responsável pelo momento catarse do debate, com depoimentos emocionados sobre a relação e dedicação dos indigenistas e dos indígenas Korubos, no seio da Floresta Amazônica. “Estabelecemos um jogo de tentativa de identificar o outro, com essa presença estranha entre os índios”, comentou o diretor Bruno Jorge.

 

Uma presença marcante foi a de Beatriz Matos, antropóloga e viúva do indigenista Bruno Pereira. No debate, ela falou sobre a beleza deste belo testamento audiovisual antropológico em que o filme se transformou, coroando o difícil trabalho de um grupo dedicado à causa indígena. “O Bruno tinha muita paixão pelo que fazia e a clareza dessa conversa com os Korubos, sabia que estava em missão diplomática nesse drama existencial vivido pela etnia”, salientou. “É um filme feito com arte, beleza e respeito, valorizando o trabalho dessas pessoas. Foi emocionante ver o filme e saber que o nosso filho vai poder conhecer o pai por esse tipo de registro lindo e não pela sua presença”, disse, emocionada.

 

FORMATIVAS

Dando sequência às discussões e atividades formativas, o 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro fez questão de ofertar, de forma gratuita e online, uma programação dedicada ao mercado de games, que tem dado o que falar no Brasil. Segundo a Pesquisa Game Brasil, mais de 73% dos brasileiros consomem jogos eletrônicos, fazendo com que o mercado de jogos movimente cerca de US$ 2,3 bilhões apenas em 2021.

 

Dirjenane Soares, cofundadora do Studio SoulAres e desenvolvedora responsável pelo selo ImagiNovel, e Eduardo de Azevedo, cofundador e programador na Tavern Tale Studio, foram os responsáveis pelas discussões de “Jogos eletrônicos: onde, como e quanto? Estratégias de financiamento para games”. Oferecido pela Associação dos Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos do Distrito Federal (Abring), o minicurso aconteceu nos dias 18 e 19, sexta e sábado de Festival.

 

Os participantes puderam entender como funciona e o que é necessário para montar uma empresa de jogos e como funcionam os modelos, processos e desenvolvimento de equipes para atuação na área de games. Segundo destacou Dirjenane, fazer jogos não é só programação. ‘’Nós temos um mundo infinito de possibilidades na hora de trabalhar com games. São várias as áreas em que podemos produzir, executar e desenvolver. Para isso, é muito importante definir o escopo do projeto, os custos e cuidar da propriedade intelectual do que for produzido”, comentou a desenvolvedora.

 

Para falar sobre as fontes de financiamento e o panorama de investimentos e distribuidoras de games no Brasil e, principalmente, no Distrito Federal, a oficina trouxe ao debate, no sábado (19), Alberto Miranda, presidente da Abring e gestor de projetos na Indie Hero, e Matheus Queiroz, conselheiro na Abring e sócio-diretor da Glitch Factory. Para Miranda, é importante entender como funciona a competição dentro deste tipo de negócio para executar atividades de sucesso. ‘‘A indústria de jogos digitais pode ser dividida em três pilares: tecnologia, cultura e mercado. Esse é um negócio que está presente no nosso dia a dia e que possui uma potência que representou 71% da receita de apps no último ano’’, reforçou.

 

Para se ter uma ideia, a cadeia de produção da indústria de jogos possui uma distribuição física precisa e que tem movimentado, ano a ano, bilhões de dólares. De acordo com estimativa da Newzoo, empresa de análise e inteligência de mercado de games, até 2023 a indústria vai render mais de US$ 200 bilhões. E, com esse ecossistema composto por diversos agentes, o Brasil já possui o maior mercado da América Latina e é o 10º no ranking mundial do mercado de games.

 

 

Por fim, o último encontro das atividades formativas do FBCB de 2022 deu atenção especial ao segmento da comunicação. A crítica cinematográfica, o jornalismo contemporâneo, a produção de conteúdo e os meios comunicacionais estiveram no centro do debate para a reconstrução do audiovisual brasileiro no Encontro Nacional de Imprensa Especializada, realizado também no Hotel Grand Mercure Brasília, com transmissão ao vivo pelo YouTube.

 

Mediado pela pesquisadora, crítica e realizadora Bárbara Bergamaschi, também doutora pela PUC-RJ e assessora especial da Secec, o encontro contou com a participação de Lorenna Rocha (Câmara Escura), Luiz Fernando Zanin Oricchio (Estado de S. Paulo) e Amanda Aouad (CinePipocaCult), reunindo, na plateia, alguns dos outros críticos e jornalistas que acompanharam os dias de Festival. O debate trouxe algumas das demandas dos profissionais da área e a necessidade de adaptação frente às novas tecnologias e mercados sem, com isso, desvalorizar o fundamental papel da crítica enquanto troca e construção de linguagem com o cinema em si.

 

Um dos temas abordados pelo grupo foi o formato presencial versus online na realização dos festivais de cinema. Para a criadora do Câmara Escura, Lorenna Rocha, é necessário criar condições favoráveis para que os espaços possam fomentar o debate sobre cinema com eficácia. “Crítica é trabalho. Nesse processo do online, o tempo foi ficando cada vez mais escasso, e o trabalho, precarizado”, apontou.

 

“Por mais que o formato online traga algumas oportunidades, como maior alcance de público, esse ambiente não tem a efervescência de um festival presencial”, lembrou Amanda. Zanin, que trabalha há nove anos na cobertura de festivais, também destacou que o formato virtual trouxe grandes desafios. “Apesar de você ganhar tempo ao não pegar trânsito, por exemplo, você sente falta dos encontros presenciais, de bater papo com os colegas. O contato com as pessoas é insubstituível”, concluiu.

 

SERVIÇO:

55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

De 14 a 20 de setembro

Local: Cine Brasília

Confira a programação completa em: https://festcinebrasilia.com.br/programacao/

 

Assessoria de Comunicação da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Ascom/Secec)

E-mail: comunicacao@cultura.df.gov.br