Secretário de Cultura avalia os méritos da II Bienal do Livro
Brasília encontrou um caminho para resolver esta equação inexplicavelmente difícil na administração pública brasileira: como sintonizar as Políticas Públicas de Cultura com as Políticas Educacionais? Por meio de uma ação concreta: a realização da Bienal Brasil do Livro e da Leitura que se consolidou aos olhos da cidade nessa II Edição, de 11 a 21 de abril.
As nações mais avançadas compreenderam a tempo um fato singelo: a Educação é o braço que organiza, sistematiza e reproduz as culturas, a capacidade criativa das sociedades. Aí reside seu potencial de desenvolver-se com identidade própria. Com autonomia para afirmar sua diferença diante das demais culturas com as quais dialoga, sem diluir-se.
A característica mais marcante desta II Edição da Bienal Brasil do Livro e da Leitura exprimiu-se pelo decidido envolvimento da Secretaria de Educação e da rede escolar pública – professores e alunos – no projeto. A solução institucional que viabiliza a iniciativa envolve a Secretaria de Cultura, a Secretaria de Educação e a sociedade civil por meio do Instituto Terceiro Setor, entidade vocacionada para atividades na área de cultura e informação.
O Passaporte Literário, ideia inovadora e eficaz, criou um mecanismo simples que viabilizou um investimento de aproximadamente quatro milhões de reais na recuperação e atualização de acervos das Bibliotecas Escolares Públicas, envolvendo as crianças e os jovens da rede escolar com um extraordinário resultado de mobilização, despertando o fascínio pelo livro e a leitura no momento da vida mais adequado para esse aprendizado e, por isso, mais fecundo.
A Bienal Brasil do Livro e da Leitura se insere no Plano do Livro e da Leitura do Distrito Federal – PDLL. Constitui-se, portanto, no que poderíamos designar como um momento forte das Políticas Públicas de Cultura e Educação cuja meta é fazer de Brasília a Capital do Livro e da Leitura para cumprir um compromisso do Governador Agnelo Queiroz com a sociedade. Trata-se, dessa forma, de assegurar o exercício de um direito básico do cidadão previsto na Constituição Federal: o direito a usufruir dos bens e serviços culturais.
A Bienal Brasil do Livro e da Leitura já se consolida, nesta segunda edição, como um fator de desenvolvimento econômico relevante para a cadeia produtiva e distributiva do Livro e da Leitura no país. Inclui Brasília – uma cidade com demanda considerável por bens e serviços culturais e grande capacidade de consumo – no circuito das grandes Bienais de Livros do Brasil e atrai o interesse das principais editoras e distribuidoras que atuam no mercado cultural.
Alguns números contribuem para oferecermos as dimensões do impacto econômico: a II Bienal recebeu um público aproximado de 300 mil pessoas; cerca de 85 mil títulos foram expostos; 400 editoras representadas; 445 mil livros comercializados; a Bienal movimentou cerca de 8 milhões de reais com a venda de livros, nos 158 estandes de editoras, livrarias e distribuidoras de livros organizadas nos quatro pavilhões que cobriram 23 mil metros quadrados da Esplanada dos Ministérios durante dez dias.
Memória e Invenção. A criação artística se dá a partir da trajetória que cada povo cumpriu, de sua percepção da natureza que o envolve, das relações humanas (ou desumanas…) que estabelece para constituir sua identidade, ou no caso do Brasil, suas identidades. Nos 50 anos do Golpe de 1o de abril, a II Bienal ofereceu, na sua programação, a oportunidade para que a Capital da República fizesse um exercício de memória. A cidade que em 1964 assistiu paralisada à deposição de um Presidente legitimamente eleito e referendado pelo povo, o Presidente João Goulart, ao rompimento do Estado de Direito estabelecido pela Constituição de 1946 e à implantação de um regime imposto pela força das armas.
A ditadura que se seguiu, ancorada nos setores sociais e empresariais mais conservadores foi submetida ao debate entre escritores, poetas, militantes, jornalistas, gente de teatro, de cinema, da música, para aproximar das novas gerações essa experiência trágica que marcou a história do Brasil no século XX. Para que elas possam conhecer e incorporar criticamente à sua própria experiência de vida, a experiência das gerações passadas. Brasília ofereceu assim, sua contribuição à agenda do país, abrindo espaço para esse debate necessário à defesa da construção democrática do país.
Dos duzentos escritores que participaram, 36 são escritores de Brasília, os demais vieram de outras regiões do Brasil e de outras culturas do mundo. A Bienal cumpre assim seu propósito de converter-se numa referência do Livro e da Leitura para as culturas do mundo com as quais devemos dialogar permanentemente, com as demais regiões do Brasil que acolhemos como Capital, e estimulando o talento que Brasília tem a oferecer aos que nos visitam e, concretamente, que nos leem. Contribuímos assim para nos afastarmos do paroquialismo e recuperar a vocação universalista, cosmopolita que nutriu nossos fundadores.
Ao homenagear o uruguaio Eduardo Galeano e o brasileiro de todos os Brasis, Ariano Suassuna, a II Bienal afirma a qualidade do seu perfil recortado sobre o mapa histórico e cultural do país e de suas relações com a América Latina e África, menciono aqui, a propósito a presença de Conceição Lima, de São Tomé e Príncipe, do moçambicano Mia Couto e do Presidente de Gana John Dramani Mahama, além de convidados de outros continentes. Define-se assim como uma Bienal Pública assentada sobre a convicção de que a cultura é Direito Básico do cidadão, comprometida com a afirmação da riqueza e da diversidade cultural brasileira.
Ao abrir espaço para debater as relações entre as novas tecnologias – as plataformas de internet – e suas implicações nos processos criativos – alterações de estilo – e de difusão da produção literária – velocidade e alcance – a II Bienal incorpora temas complexos e de alta sensibilidade da cultura contemporânea, como os direitos autorais, na busca de soluções que democratizem o acesso mais amplo à criação e dos desafios que os criadores, escritores, poetas devem enfrentar diante das realidades novas que se afirmam a partir das novas tecnologias de difusão.
Brasília adquiriu o direito de celebrar seu aniversário a cada dois anos em torno do Livro e da Leitura e a sociedade demonstra, pela acolhida generosa que dispensou à II Bienal o quanto deseja se afastar do tempo em que assistiu, humilhada à celebração do 21 de abril com um ridículo desfile de personagens do lixo da indústria cultural de Walt Disney.
O espetáculo de crianças e jovens visitando o espaço da II Bienal, ao longo dos dez dias, revela que avançamos, no que toca às Políticas Públicas de Cultura, para além do entretenimento. Incorporamos nas ações o aspecto fundamental da formação cultural e da afirmação dos valores do conhecimento intelectual e artístico e da prática da solidariedade e da partilha, da visão crítica da sociedade e dos desafios do mundo contemporâneo. A Bienal se torna um espaço de combate ao comodismo e à alienação e, afirmativamente, num espaço de reencontro com a imaginação.
Brasília, 23 de abril de 2014
Hamilton Pereira
Secretário de Cultura do Distrito Federal